Mudança é algo visto com maus olhos por certos tipos de nerds. Fãs de história em quadrinhos são muito resistentes a mortes e mudanças grandes nos seus personagens favoritos. Fãs de filmes clássicos se contorcem com remakes ou continuações. E fãs de RPG fazem verdadeiras guerras quando descobrem que o seu sistema favorito, depois de 10 anos, vai ganhar uma nova edição.
D&D é o primeiro RPG da história, o mais jogado em todo o mundo. Há dois meses, ele recebeu sua 4ª Edição e muita gente não gostou, assim como aconteceu na 2ª Edição, na 3ª… E eu aposto que vai acontecer na 5ª também.
Após mais ou menos umas 4 sessões mestradas com as regras da 4ª Edição, vários personagens feitos e um grupo formado por jogadores com backgrounds muito diferentes (um que veio direto da 2ª Edição; um que jogou a 2ª e a 3ª e estava empolgado com a 4ª; um que jogou só a 3ª e estava cheio de dúvidas e um que não tinha muitas preferências), a opinião geral foi que era bom e parecia D&D.
O sistema está mais ágil, mais centralizado e com menos regras. Cada personagem tem sempre várias opções de ação, ataques e perícias. As classes estão mais equilibradas entre si e o sistema quase força os jogadores a trabalharem em equipe e se preocuparem com seus companheiros. Uma das melhores sacadas da edição nova são os poderes. Cada classe agora tem uma série de poderes, como o mago tem magias e o guerreiro tem manobras. Eles acrescentam muita vida para classes que antes eram limitadas às mesmas ações (o guerreiro fazia ataques normais, o ladrão tentava dar o ataque furtivo, enquanto magos e clérigos sempre tinham algo de diferente para fazer a cada rodada).
Eu não joguei em níveis mais altos, mas garanto que foi o melhor jogo de primeiro nível que eu já mestrei. Os personagens são mais resistentes e possuem muito mais capacidade de continuar lutando. Através dos PVs (Pontos de Vida) maiores e das Healing Surges, os personagens aguentam seguir em frente mesmo depois de muitas lutas. Apesar da resistência maior, eles não são menos mortais. Em média, 3 ataques bem sucedidos derrubam um personagem. A diferença é que ele tem mais facilidade para se levantar enquanto o combate rola e é bem fácil voltar aos 100% após o combate, porém, para ambos, ele gasta um recurso chamado Healing Surge. Este recurso é uma representação melhor do atual estado da saúde física do personagem e como ele não aumenta com níveis novos, é então definido pela Constituição e pela Classe do personagem. Assim, ao longo do dia de aventura, os jogadores vão gastando Healing Surges, mas mantendo seus PVs sempre ao máximo no início do encontro. PVs em D&D sempre representaram um conceito abstrato (afinal, no início da sua carreira, você morre com uma machadada, e no fim precisa de umas 20 destas para te matar, sendo que as 19 primeiras não te deixam com nenhuma dificuldade de ação), mas apesar disto, apenas magias curativas e descansos longos os recuperavam. Na 4ª Edição, exatamente por eles serem abstratos, você pode se curar de várias maneiras diferentes. Uma melhora na sua moral ou uma tomada de fôlego já recupera seus PVs. E quase todas as recuperações de PVs, tirando as mágicas, custam Healing Surges.
Apesar de todas as vantagens do sistema novo na parte do jogador, é a parte do Mestre que mais me agradou. As regras estão mais simples e vários detalhes do sistema, que sempre são escondidos do Mestre, são explicados e descritos. Coisas como: por que um determinado bônus em determinado nível é calculado, quantos bônus de itens mágicos um personagem deve ter (assim você pode facilmente eliminar os itens e dar o bônus, para campanhas menos fantásticas), entre outras coisas. O modelo de construção de encontro, levando em conta inimigos, armadilhas e detalhes do terreno é brilhantemente simples e rápido. Lidar com inimigos ficou muito simples. Todos os dados de um monstro, por exemplo, cabem em 1 quarto de folha, sendo que isso inclui a descrição de todos os poderes! Em edições anteriores, em média ocupava-se uma folha inteira, sem contar que quando o monstro possuía magias, você tinha que consultar no Livro do Jogador. Todos esses pequenos detalhes, entre outros, diminuem tanto o tempo que o Mestre precisa para criar uma aventura quanto o nível de concentração mental que se precisa gastar nos seus vários aspectos.
Obviamente, existem algumas coisas que não me agradaram. Vários monstros clássicos não apareceram, muitos rituais (magias que não afetam o combate) foram deixados para futuros suplementos, assim como há poucos itens mágicos. Há também uma grande ausência de descrição de cenário em lugares em que ela era comum, como nas descrições das classes e dos monstros. Apesar disso, a inclusão de um cenário base nos Livros Básicos torna a parte narrativa da 4ª Edição melhor que a da 2ª e da 3ª, que mal falam de cidades, reinos e raças nos Livros Básicos. Um Mestre que não queira criar um mundo do zero (ou usar um pronto) tem todas as bases necessárias para pegar o mundo básico e ambientar sua aventura nele. E como esse cenário tem uma descrição leve, ele é facilmente modificável para a campanha e os gostos do Mestre. Tem até um capítulo do Livro do Mestre que dá dicas de como fazer exatamente isso.
Finalizando, os livros estão com uma apresentação e diagramação ótimas. Os conteúdos estão bem distribuídos e mais facilmente consultáveis do que nas edições anteriores. A arte está muito bonita, apesar de algumas poucas figuras terem sido reaproveitadas da edição anterior. Para os grandes inimigos da 4ª Edição, ela ficou mais rápida, mais ágil e mais divertida. Como um vídeo game. Mas ainda com tudo que faz um bom RPG. Um dos principais objetivos da nova edição foi retirar o máximo de simulacionismo (tentativa de interpretar o mundo real através de regras) do jogo. E isso foi muito bem feito. Resta saber se o jogador em questão prefere um jogo mais simulacionista ou mais cinematográfico. Eu vou ficar sempre com a segunda opção.