Em todo RPG, você tem na sua ficha de personagem uma série de fatores que determinam o que ele pode fazer. O mais básico são alguns atributos dizendo quão forte, rápido ou inteligente ele é. Conforme a história do jogo e seus vários sistemas forem avançando, classes, raças, perícias e um monte de outros dados são inseridos para deixar o personagem mais vivo.
Primeiro apareceram as vantagens. De maneira genérica, elas davam todos os bônus que alguma outra categoria não cobria. Chamadas pelo nome ou de Méritos, Talentos, Feats ou Edges, podem ser selecionadas para dar aquela cor ao personagem, ou apenas para fazer ele mais especializado na sua área de atuação.
As primeiras desvantagens eram derivadas dos próprios valores da ficha. Se você tinha força baixa, você era fraco. Se não era um mago, era incapaz de usar magias. Se não tinha Constituição alta, provavelmente era gordo ou magrelo… E assim por diante. Quando vieram os primeiros sistemas de pontos, com eles chegaram o próximo passo lógico: receber pontos por penalidades para o seu personagem.
É de uma lógica simples e aparentemente sem falhas. Se você paga 5 pontos por um bônus de +1 num teste, por exemplo, você ganharia 5 pontos por ter uma penalidade de -1 no mesmo teste. Acontece que no ramo de “tarifação” de vantagens e desvantagens, as coisas raramente são simples assim.
O que ocorre é que quando um jogador compra uma vantagem para seu personagem, ele pretende usá-la. Se o cara é um especialista em arco e flecha, pode contar que ele vai tratar de estar em todas as lutas o mais longe do combate direto possível. Um outro personagem que seja míope vai querer ficar sempre perto de seus inimigos, para ter o mínimo de desvantagem. Esse comportamento é visto em todos os jogos e em todos os sistemas.
Alguns jogadores se revoltam com essa atitude, essa tentativa suprema de ganhar o maior benefício pelo menor custo. Especialmente em desvantagens, em que o sujeito pode comprar e esquecer. Ou comprar e porque a aventura é de um determinado tipo e o personagem de outro, a desvantagem quase nunca vai atrapalhar de forma significativa. E eles não tem nenhuma culpa nisso. Se você fosse míope na Idade Média, dificilmente ia pensar que era uma boa idéia ser arqueiro. Ou se tivesse um problema crônico de flatulência, tentar carreira no Itamaraty. Esses detalhes são lógicos, e estimulados no próprio mundo real.
Mas e o povo que quer seguir contra o estereótipo, e jogar com o diplomata feio, ou o espadachim cego? Nesses casos, há dois tipos diferentes, ambos com semelhanças importantes. O diplomata feio vai querer ter a dificuldade de uma má impressão inicial, esta podendo ser superada pelas suas habilidades sociais. O tema aqui é quebrar o estereótipo. O espadachim cego quer ser tão bom quanto um espadachim normal (provavelmente melhor…), e sua cegueira é mais um detalhe na ficha, mais para falar “sou cego e fodão” do que realmente atrapalhar a vida do sujeito. Além disso, temos que ter um preço fixo da desvantagem Feiúra, seja ela usada por um diplomata (e vai atrapalhá-lo em quase todos os testes importantes dele), ou usada pelo bárbaro, que raramente vai fazer um teste social.
Então ambas tem o mesmo custo em pontos, as mesmas penalidades. A responsabilidade dela é atrapalhar ambos de maneira igualitária, ou pelo menos atrapalhar um mínimo para ser considerada uma Desvantagem. Agora temos o coitado do mestre, que além de ter que criar uma aventura emocionante, uma história interessante, agir com meia dúzia de NPCs ao mesmo tempo, tem que lembrar com que frequência cada desvantagem será usada contra cada personagem. E obviamente deixar essa frequência justa, que como podemos ver nos exemplos acima, é quase impossível. Um bárbaro feio vai ser muito menos atrapalhado pela feiúra que um diplomata feio. Não importa quanto o mestre se desdobre pra fazer o bárbaro rolar testes sociais.
Isso sem contar as diferenças de campanhas. Numa aventura mais política e social, uma desvantagem social é péssima. Num matar-pilhar-destruir não atrapalha em quase nada. Imagina-se que em termos de vantagens e poderes, os jogadores sigam as indicações do mestre. Jogadores raramente precisam de ajuda pra deixar os personagens deles bons. O problema é que é fácil existirem grandes discrepâncias nas desvantagens.
É um problema difícil, já que muitos sistemas de RPG usam desvantagens (ou coisas do tipo), e em quase todos eles elas tem um custo em pontos na criação do personagem. Quase? Sim. Vou chamar atenção para dois sistemas que tem soluções muito boas para todo esse problema.
O primeiro é o Mutants & Masterminds, agora com versão nacional, Mutantes e Malfeitores. Apesar de ter algumas desvantagens mais tradicionais como Fraquezas, ele tem a grande sacada das Complicações. Uma Complicação é alguma coisa que atrapalhe a vida do herói e o impeça de resolver um problema da forma mais eficiente possível. Sempre que um desses problemas atrapalha o personagem na aventura, ele ganha 1 ponto heróico. Um recurso muito importante e escasso no sistema, que permite o herói realmente fazer coisas heróicas e extrapolar os limites de seus atributos e poderes. Estão assaltando o banco e o herói está em sua identidade civil na fila? Vai ter que se virar sem usar os poderes do Super Mutante e detonar sua identidade secreta. Ponto Heróico. O vilão está na beira do abismo e pede socorro? Vai até ele e o salva, que coloca o personagem em mais uma armadilha. Ponto Heróico. Encontrou pela quinta vez no dia aquele metal ultrararo de um planeta extinto do outro lado da galáxia? Vai ficar com os poderes reduzidos e basicamente correr dos inimigos. Ponto Heróico.
O outro é o Storytelling, do novo Mundo das Trevas. Apesar do sistema ter uma mecânica de perda de Sanidade/Moralidade e ir deixando o personagem mais perturbado ao longo de sua carreira, as desvantagens do jogo oferecem as mesmas penalidades em várias jogadas que em outros RPGs. A diferença é que elas dão os pontos para melhorar o personagem no fim da aventura. Experiência Extra. Assim quanto mais seu personagem é atrapalhado pela desvantagem, mais forte ele vai ficando.
Em ambos os casos, a desvantagem não tem mais como ser vista como apenas uma artimanha para ganhar mais pontos para a construção do personagem, assim como o fato de tirar qualquer responsabilidade do mestre de se preocupar em fazer a desvantagem “valer”. Se ela atrapalhar em algo, o jogador ganha os benefícios. Senão é como se ele não tivesse desvantagem nenhuma.
Dessa maneira, o bárbaro que é feio como o cão chupando manga podre e seu irmão gêmeo diplomata podem andar na mesma aventura sem problemas, ganhando os bônus cada vez que rolassem um teste social. O espadachim cego ia ser tão bom quanto um espadachim com visão, talvez ganhando um bônus quando fosse importante ler alguma coisa. O mestre pode construir suas histórias livremente, e as desvantagens deixam de ser um peso mal calibrado, ou uma muleta cheia de pontos, e viram um artifício para injetar drama na história, quando a história pedir por aquele drama específico.
O mais belo dessa tecnologia é que ela pode ser inserida em qualquer sistema. Todo sistema de RPG tem alguma forma de ganhar experiência e evoluir o personagem. Basta usar o método de Storytelling, que até mesmo o D&D 1ª Edição pode ter desvantagens, sem a preocupação com equilíbrio. Se o psiônico quer ser maneta, até quando ele precisar agarrar numa beira quando cair, não vai mudar nada no jogo! Recomendo para quem quer dar uma incrementada na personificação dos personagens, mas sem precisar mudar de sistema ou criar regras complicadas para isso.
Muito bom, vou aplicar esses sistemas no D&D!
É tranquilo. Se for na 4E vc pode inclusive usar ambos. Com Pontos de Ação e XP sendo dados pelas desvantagens.
Cara, muito massa o texto! É bem isso mesmo que penso, e são exatamente esses problemas que você apontou que eu enxergo nos sistemas “cost-based”.
Matou a pau!
Abraços!
Hehehehe, me amarro em estudar as “novas tecnologias do RPG”. Sò não gosto muito que leiam minha mente. Stay Out!
Maravilha Alberto!
Isso me deu uma ótima idéia.
Vou ver se consigo desenvolver algo como no estilo do M&M…
PS: Apenas acrescentando Crônicas de Avalon Sugere o uso de caracteristicas, Geralmente um adjetivo simples a escolha do jogador como por exemplo: Honesto, Bravo, Cortês, Ganancioso, Invejoso, no geral 3 vantagens e 2 Desvantagens, de caracter apenas interpretativo e indica ao mestre premiar com Bonus de XP os jogadores que REALMENTE incorporarem tais caracteristicas em seus personagens
Negócio que certas características são interessantes ter modificadores mecânicos. Como Feio, Cego… Ter exemplos para se estabelecer o limite de restrições para se ganhar pontos é interessante. E o detalhe de vc ter que ser atrapalhado(ou seja, ser desafiado) pela limitação que gera a recompensa.
O estilo M&M é muito bom, mas é preciso o sistema ter algo de Pontos de Ação ou outra coisa parecida pra fazer sentido. Já o de XP extra pode ser usado em qualquer lugar que tenha XP.